SOBRE AMOR E RELACIONAMENTO

SOBRE AMOR E RELACIONAMENTO

Tenho mais histórias de[ ̶a̶m̶o̶r̶] do que posso contar, mas uma coisa posso dizer: foram estas histórias que me ensinaram a amar a mim mesma e perceber que de nada adianta ter um relacionamento ou o olhar de uma outra pessoa se eu não estiver comigo neste jogo da vida.

Algumas das histórias vieram com muito sofrimento, outras com uma esperança maior do que eu mesma e que por isso também me machuquei em grau e intensidade igual. A verdade é que, na permanência e impermanência, cada pessoa que passou pela minha vida foi importante em sua maneira.

Não sei se já nasci assim e meus pais reforçaram o que já existia em mim, ou se foram eles que me apresentaram a liberdade como uma das coisas mais valiosas na vida. E que deveríamos defender isto custe o que custar.

E era assim também que pensava quando o assunto era amor. Mas ninguém disse que teríamos que nos relacionar também, afinal, estava tudo bem enquanto tinha que lidar somente com o que existia dentro de mim, mas quando percebi que deveria envolver uma outra pessoa, não soube o que fazer.

A vida nada mais é do que grande labirinto em que nos enfiamos sem ao menos saber o que iremos encontrar na próxima bifurcação, e o que encontrei foram formas de relacionamento totalmente diferentes daquele amor que acreditava, e com o tempo, de um relacionamento a outro, o discurso se distanciou da prática.

Não sei ao certo porque achei que tinha que me encaixar em algo que tenho certeza que não queria tanto assim. Tenho a sensação que inventei os quereres para ter algo igual para buscar.

Apego, ciúmes, prisão e conflitos fizeram parte do início da minha vida afetiva. E mesmo depois de ter aprendido tanto sobre liberdade, não apenas me permiti ser anulada, como eu mesma aniquilei minha existência em nome de um conceito de amor que via a todo instante quando olhava para o lado. A maioria dos relacionamentos que presenciava — seja entre amigas, amigos, nas novelas, filmes e até literatura — era cheia de dor. Amar é sofrimento para a maioria das pessoas.

Uma das histórias de amor que mais achava bonita era a contada por Gabriel Garcia Márquez em Amor nos Tempos do Cólera. Minha leitura da história no passado é totalmente diferente da que tenho hoje. Compreendo que a história retrata o lado mais sombrio do amor, com heróis que não são estereótipos do romantismo, mas há um aspecto de que o amor sobrevive a tudo, inclusive em escolhas de renúncia (principalmente do personagem Florentino Ariza) pela fantasia de que o outro é capaz de conter a felicidade que não é encontrada em si mesmo. É uma história muito triste na verdade — e podemos encontrar muitas coisas nela, nas fantasias, expectativas, anulações e desejos — mas como chamar isso de amor?

Não sei, mas na época, me identifiquei com esse conceito por muito mais tempo do que gostaria — apesar de achar que nada é por acaso e foi pelo tempo que precisei. Em cada relacionamento que entrava, era dor que procurava, pois este era o novo conceito que havia se formado. E foi dor que encontrei — e nem estou dizendo da dor causada pelo outro, mas da que eu mesma causei em mim toda vez que tentava ser alguém que não era.

Foi muito difícil assumir isso, mas um dia o fiz e compreendi que toda dor que sentia era consequência dos pensamentos, nóias e pranóias que criava sobre mim mesma e sobre o que deveria (ou não) ser vivido. Foi também em um dos relacionamentos — ou na perda dele — que tive consciência isso.

A verdade é que nos enxergamos na relação, pois é onde nos permitimos estar diante de um espelho. O outro nos mostra aquilo que não somos capazes de enxergar sozinhos e então, em nosso processo individual, podemos nos transformar. Não é fácil pois aprendemos na dor, mas é o que funciona no final das contas.

Portanto, tanto a prisão quanto a libertação destes conceitos doentes se deram por todo sofrimento que encontrei e ressignifiquei a partir do momento em que me aproximava de minha essência.

E o que[ ̶a̶p̶r̶e̶n̶d̶i̶] relembrei com tudo isso?

Que sou livre para ser e amar da forma que acredito, e isso significa que não preciso de contrato ou de promessas de um dia seguinte, pois tudo muda o tempo todo — inclusive eu. É um desafio lidar com a impermanência, mas também libertador.

Não quero um casamento — nem pomposo ou casual — pois viver o presente em um abraço foi um dos ganhos nesta jornada e o valor que isso tem quando ficamos porque queremos e não porque devemos gera uma conexão maior do que qualquer palavra. E meu desejo é que possa fazer isso com quem estiver do meu lado até o tempo em que for bom para ambos. Todos somos livres para partir em qualquer tempo e isso não significa falta de amor ou um sofrimento demasiado, pois amor nunca foi posse.

Não sou uma pessoa ciumenta — e lembro exatamente do momento em que comecei a fingir crises de ciúme depois de escutar que não amava o suficiente pois não parecia me importar. Eu sempre me importei, mas não preciso provar isso mais.

Odeio jogos, então não quero ter que pensar ou analisar o desejo de ligar, escrever ou ver, pois isso é puro ego e não há espaço para ele neste conceito de amor que escolho sentir.

Também aprendi que posso ser vulnerável em qualquer instância, até a ponto de ser cuidada e também cuidar, pois ambos comportamentos provem de uma mesma força. Permitir que o outro carregue minha sacola ou sirva o meu copo não faz de mim uma pessoa menor ou dependente afetivamente, mas nem sempre pensei assim. Este foi um passo muito importante e difícil, pois passei a maior parte de minha vida me defendendo e escondendo de demonstrações de afeto por medo de aparentar fraqueza e dependência — quando na verdade, eu já estava me sentindo assim, a ponto de me colocar em uma torre inatingível. Considero que esta foi a minha maior cura.

Por fim, aprendi que toda a felicidade vivida em qualquer relacionamento já existe dentro de mim, e isso significa que já sou todo o amor que preciso, o que me possibilita viver toda a liberdade que sempre acreditei desde sempre. E com esta liberdade, o outro fica livre de qualquer expectativa, pois ninguém precisa carregar o peso da felicidade de uma outra pessoa.

Desde que aprendi isso, meus relacionamentos se tornaram mais divertidos, leves e gostosos. Não há mais um sofrimento maior que eu mesma ou que não seja lidável, pois posso ser exatamente a pessoa que sou e viver a totalidade de cada sentimento, sem precisar me justificar para mim mesma.

Em minha última sessão de terapia, minha terapeuta leu uma frase do Saramago que mexeu muito comigo, e ela dizia o seguinte: “Tentei não fazer nada na vida que envergonhasse a criança que fui.” e não sei porque — ou até sei — mas sinto que minha criança tem muito orgulho de quem me tornei e isso é muito melhor do que qualquer comemoração de um dia. ❤

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