[Relato de Viagem] Os Passos de Anchieta – Dia 02
Seguimos com o relato da peregrinação dos Passos de Anchieta, que realizei em Junho.
Faz quase um mês que embarquei nesta primeira travessia, e é incrível como tudo isso ainda ecoa dentro de mim de uma forma grandiosa.
E o quanto existe também uma certa resistência que é impossível ignorar.
Estava resfriada antes de fazer a viagem, e durante a peregrinação, acabei ficando pior. Uma andança como a que fiz acaba nos expondo à muita coisa e como meu corpo não teve tempo de descansar, no dia que retornei da viagem fui parar no hospital com uma amigdalite muito forte. Sou um pouco avessa a remédios – quem me conhece sabe que sou muito mais a favor de um chazinho do que um comprimido – mas fiz tudo direitinho como a médica recomendou.
Realmente fiquei melhor da amigdalite, mas o resfriado piorou. Agora era tosse, nariz escorrendo, pigarro e catarro para todo lado. E quanto mais me cuidava, pior ficava.
Um corpo que adoece, é um corpo com vida.
Demorei um pouco para entender, mas compreendi que esta é a forma como meu corpo expressa sua resistência natural diante de tantas mudanças internas. E quando me dei conta disso, acordei melhor. Incrível e estranhamente melhor.
E a resistência não é somente física, mas também da mente. São muitos os questionamentos, dúvidas e pensamentos que giram em torno de tudo o que acontece e acabo dispersando muita energia com certos assuntos que não possuem tanta importância.
O corpo e a mente resistem… Como era esperado! Nada disso deveria ser estranho, afinal, apesar de estar na jornada de autoconhecimento há um tempo, este caminhar é algo novo.
O ego com seu controle desperta naturalmente e então, a consciência é a única ferramenta para lidar com seus medos ocultos. E assim, é mais um passo que se forma.
Mas vamos lá então, para o Relato de Viagem – Dia 02 – 16/06/2017 – Saída de Barra do Jucu até Setiba, em Guarapari. Total de 28km.
Todos já haviam me alertado de que este seria o trecho mais difícil de toda a travessia, mas como não sabia muito bem o que esperar, não tinha a menor ideia do que iria viver quando saí – toda animada – da pousada por volta das 5h30 da manhã.
Iniciamos o dia na Barra do Jucu, percorremos um trecho na cidade e em algumas praias de fácil acesso. Neste momento tudo estava muito bem, até o último apoio antes da aventura real.
Nos avisaram para nos abastecermos de água e frutas, pois este seria o último ponto até a chegada. Pegamos água, frutas e lá fomos confiantes.
Era praia, praia e mais praia… muitos quilômetros de areia fofa. Tínhamos duas escolhas para fazer essa travessia: Caminhar na área mais alta e reta da praia, onde a areia era fofa a ponto de pé afundar uns 10 cm, ou andar pela beira da praia, onde a areia era um pouco menos fofa – pouco menos do que 10 cm – e totalmente torta.
Para não ter problema com essa escolha, hora caminhávamos na área fofa e hora na beira da praia.
Detalhe que neste dia, tive a infeliz ideia de ir com uma pepete que machucou toda a lateral do meu pé.
Mas a dor nos pés era a menor das preocupações naquele momento.
Cheguei no meu limite físico quando faltava ainda 9 km, e a única coisa que pensava era em como iria superar esse limite. Era a única coisa que poderia pensar naquele momento.
Quando chegamos no limite, nos conectamos com certos pensamentos e sentimentos que raramente entramos em contato. E buscamos qualquer coisa que servirá como um acalento para este momento.
Neste momento, meu maior aprendizado foi sobre fé. Quando cheguei no que percebi ser meu limite, me peguei conversando com Deus, com os Orixás, com Buda, com a Grande Mãe Terra… pois a única coisa que importava naquele momento, e o que me ajudou a não desistir, foi saber que não estava sozinha. Que o universo é muito além daquilo que conhecemos, e foi assim que voltei a acreditar que conseguiria chegar lá.
Ter fé em algo fora de mim, me ajudou a ter fé em mim mesma e na força e motivação que tinha para estar ali. Estar naquele lugar, fazendo exatamente o que estava fazendo era uma questão de escolha por mim e por ninguém mais.
Aprendi com um professor de vedanta que as palavras Deus, Universo e Eu possuem a mesma fonte, são a mesma coisa… E precisei me reconectar com o Universo e com Deus para voltar a ser Eu.
Não foi fácil, pensei que não conseguiria inúmeras vezes, repensei e questionei os meus propósitos e pensei sobre a vida, mas o que me fez continua – além do pé todos machucado, as bolhas, o sapato errado, os quase 9km que caminhei descalça e a dor nas pernas e nas costas – foi a certeza de que somos tudo aquilo que acreditamos ser, e quando voltei a ter fé em mim e em algo maior no universo, o único caminho era ir até o fim.
Meu último aprendizado naquele dia foi ao cruzar a linha de chegada. Apesar do caminho ser feito ao caminhar e de reconhecer a importância que é desfrutar de todos os momentos, no final das contas, é a chegada que emociona.
Depois de mais de 10 horas caminhando, encontramos um tapete vermelho e um corredor de pessoas gritando, batendo palmas e parabenizando todos que conseguiram ali chegar.
Com os olhos marejados e a tentativa frustrada de segurar a emoção, chorei até a última lágrima. Cruzar aquela linha, ter concretizado o dia e chegar até o lugar que tinha me proposto a chegar foi a prova real da superação dos limites – físico e mental – que passei a conhecer naquele momento.
Durante toda a minha vida – até aquele momento – nunca havia permitido ter limites. E com isso, passei por cima de todos eles durante todo esse tempo. Percebi que havia passado por cima de mim mesma durante toda a vida. E isso doeu muito mais do que as bolhas e os machucados no meu corpo.
Enxergar que os limites existem, me fez entender e aceitar a humanidade que existe em mim. E no final das contas, o que desejamos todos os dias é isso: poder ser humano, com falhas, dores, ausências e defeitos. Afinal, são os limites que nos dão contorno, que criam nossa forma de existir.
O segundo dia foi o pior dia de toda a travessia, mas ao mesmo tempo, também o melhor, pois foi por meio desta experiência que me libertei de certas coisas que me prenderam durante toda a vida.
Um super beijo,
Vanessa