Feliz 18 de Maio!
O dia de hoje é muito especial, onde comemoramos algumas conquistas na área de saúde mental e energizamos a força para continuar a mudar tantas coisas que ainda precisam ser transformadas.
Me lembro a primeira vez em que pisei em um hospital psiquiátrico e tantos homens (era um hospital masculino), despidos de suas identidades, sem nomes – afinal, eles não precisam de nada disso naquele lugar. Expressões ausentes, olhares distantes… quase não se percebia a vida que estava ali. Fiquei chocada, triste, angustiada e com uma dor que até hoje não tem nome.
E foi naquele dia que entendi que tudo estava errado, foi ali que minha parte na luta por uma saúde humanizada começou.
O dia em que o meu amor pela saúde mental começou, afinal, esse foi um amor que nasceu da dor.
Já se passaram 13 anos desde aquele dia e sei que algumas coisas mudaram, mas ainda vejo expressões ausentes e olhares distantes fora dos muros de um manicômio… E sei que muito ainda deve acontecer.
Lutamos não apenas pelo fim das prisões de alma que encarceram doentes mentais como se nada fossem, mas também para que estes tenham um olhar e um lugar na sociedade. Lutamos contra o estigma da doença mental, que afasta, amedronta e exclui… Lutamos a favor da vida com vida e do olhar presente nas diversas realidades existentes.
Por isso, hoje é dia de comemorar, mas também é dia de refletir, de continuar e lutar para que a ‘saúde mental’ não vitimize ou escravize. Para que possamos, em liberdade, viver da forma como somos.
Termino com uma citação de um livro que recomendo ‘O Holocausto Brasileiro’ da Daniela Arbex:
“Fome e sede eram sensações permanentes no local onde o esgoto que cortava os pavilhões era fonte de água. Nem todos tinham estômago para se alimentarem de bichos, mas os anos no Colônia consumiam os últimos vestígios de humanidade. Além da alimentação racionada, no intervalo entre o almoço e o jantar, servidos ao meio-dia e às 5 horas da tarde, os pacientes não comiam nada. O dia começava com café, pão e manteiga distribuídos somente para os que estivessem em fila. A alimentação empobrecida não era a única a debilitar o organismo. Apesar de o café da manhã ser fornecido às 8 horas, três horas antes os pacientes já tinham que estar de pé. Eles seguiam para o pátio de madrugada, inclusive nos dias de chuva.
…
O frio cortava a pele exposta, fazia os músculos enrijecerem e a boca ressecar até ganhar feridas. Embora fosse mais fácil culpar os pacientes por exporem o corpo sem pudor, a nudez não era uma opção.
Muitas roupas eram peças únicas, por isso, no dia em que elas eram recolhidas para a lavanderia, o interno não tinha o que vestir. Se não conseguisse recorrer à caridade alheia, por meio de doação, era obrigado a entregar-se à exposição indesejada.
Ao seguirem pelados para o pátio, os considerados loucos iniciavam o mesmo ritual da madrugada anterior. Em movimentos ritmados, agrupavam-se tão próximos, que formavam uma massa humana.
Vagavam juntos, com os braços unidos, para que o movimento e a proximidade ajudassem a aquecer. Os de dentro da roda, mais protegidos do vento, trocavam de lugar com os de fora. Assim, todos conseguiam receber calor, pelo menos por algum tempo.
Os que ainda vestiam alguma coisa entregavam os trapos para acender fogueira. Nem sempre havia pano suficiente para alimentar o fogo, mas cada um procurava colaborar com o que dispunha. Difícil imaginar que, em meio ao abandono extremo, ainda restasse forças para ajudar.”
(Imagens do livro)
P.S. Achou as imagens fortes? Foi a realidade no Hospital Colônia de Barbacena fundado em 1903 e fechado na década de 80… Neste período, 60 mil pacientes morreram por diversas causas.